Depois do Calvário, verificadas as primeiras
manifestações de Jesus no cenáculo singelo de Jerusalém, apossara-se de todos
os amigos sinceros do Messias uma saudade imensa de sua palavra e de seu
convívio.
A
maioria deles se apegava aos discípulos, como querendo reter as últimas
expressões de sua mensagem carinhosa e imortal. O ambiente era um repositório
vasto de adoráveis recordações. Os que eram agraciados com as visões do Mestre
se sentiam transbordardes das mais puras alegrias. Os companheiros inseparáveis
e íntimos se entretinham em longos comentários sobre as suas reminiscências
inapagáveis.
Foi nesse instante, de indizível
grandiosidade, que a figura do Cristo assomou no cume iluminado pelos
derradeiros raios do Sol. Era Ele. Seu sorriso desabrochava tão meigo como ao
tempo glorioso de suas primeiras pregações, mas de todo o seu vulto se
irradiava luz tão intensa que os mais fortes dobraram os joelhos. Alguns
soluçavam de júbilo, presas das emoções mais belas de sua vida. As mãos do
Mestre tomaram a atitude de quem abençoava, enquanto um divino silêncio parecia
penetrar a alma das coisas. A palavra articulada não tomou parte naquele
banquete de luz imaterial; todos, porém, lhe perceberam a amorosa despedida e,
no mais íntimo da alma, lhe ouviram a exortação magnânima e profunda:
—
"Amados — a cada um se afigurou escutar na câmara secreta do coração —,
eis que retomo a vida em meu Pai para regressar à luz do meu Reino!... Enviei
meus discípulos como ovelhas ao meio de lobos e vos recomendo que lhes sigais
os passos no escabroso caminho. Depois deles, é a vós que confio a tarefa
sublime da redenção pelas verdades do Evangelho. Eles serão os semeadores, vós
sereis o fermento divino. Instituo-vos os primeiros trabalhadores, os herdeiros
iniciais dos bens divinos. Para entrardes na posse do tesouro celestial, muita
vez experimentareis o martírio da cruz e o fel da ingratidão. .. Em conflito
permanente com o mundo, estareis na Terra, fora de suas leis implacáveis e
egoístas, até que as bases do meu Reino de concórdia e justiça se estabeleçam
no espírito das criaturas.
Negai-vos a vós mesmos, como neguei a minha
própria vontade na execução dos desígnios de Deus, e tomai a vossa cruz para
seguir-me. "Séculos de luta vos esperam na estrada universal. É preciso
imunizar o coração contra todos os enganos da vida transitória, para a soberana
grandeza da vida imortal. Vossas sendas estarão repletas de fantasmas de
aniquilamento e de visões de morte. O mundo inteiro se levantará contra vós, em
obediência espontânea às forças tenebrosas do mal, que ainda lhe dominam as
fronteiras. Sereis escarnecidos e aparentemente desamparados; a dor vos
assolará as esperanças mais caras; andareis esquecidos na Terra, em supremo
abandono do coração.Não participareis do venenoso banquete das posses
materiais, sofrereis a perseguição e o terror, tereis o coração coberto de
cicatrizes e de ultrajes. A chaga é o vosso sinal, a coroa de espinhos o vosso
símbolo, a cruz o recurso ditoso da redenção. Vossa voz será a do deserto,
provocando, muitas vezes, o escárnio e a negação da parte dos que dominam na
carne perecível. "Mas, no desenrolar das batalhas incruentas do coração,
quando todos os horizontes estiverem abafados pelas sombras da crueldade,
dar-vos-ei da minha paz, que representa a água viva.
Na
existência ou na morte do corpo, estareis unidos ao meu Reino. O mundo vos
cobrirá de golpes terríveis e destruidores, mas, de cada uma das vossas
feridas, retirarei o trigo luminoso para os celeiros infinitos da graça,
destinados ao sustento das mais ínfimas criaturas!... Até que o meu Reino se
estabeleça na Terra, não conhecereis o amor no mundo; eu, no entanto, encherei
a vossa solidão com a minha assistência incessante. Gozarei em vós, como
gozareis em mim, o júbilo celeste da execução fiel dos desígnios de Deus.
Quando tombardes, sob as arremetidas dos homens ainda pobres e infelizes, eu
vos levantarei no silêncio do caminho, com as minhas mãos dedicadas ao vosso
bem.
Sereis a união onde houver separatividade,
sacrifício onde existir o falso gozo, claridade onde campearem as trevas, porto
amigo, edificio na rocha da fé viva, onde pairarem as sombras da desorientação.
Sereis meu refúgio nas igrejas mais estranhas da Terra, minha esperança entre
as loucuras humanas minha verdade onde se perturbar a ciência incompleta do
mundo!... "Amados, eis que também vos envio como ovelhas aos caminhos
obscuros e ásperos. Entretanto, nada temais! Sede fiéis ao meu coração, como
vos sou fiel, e o bom ânimo representará a vossa estrela! Ide ao mundo, onde
teremos de vencer o mal! Aperfeiçoemos a nossa escola milenária, para que aí
seja interpretada e posta em prática a lei de amor do Nosso Pai, em obediência
feliz à sua vontade augusta!"
Sagrada emoção senhoreara-se das almas em
êxtase de ventura. Foi então que observaram o Mestre, rodeado de luz, como a
elevar-se ao céu, em demanda de sua gloriosa esfera do Infinito. Os primeiros
astros da noite brilhavam no alto, como flores radiosas do Paraíso. No monte
galileu, cinco centenas de corações palpitavam, arrebatados por intraduzível
júbilo. Velhos trêmulos e encarquilhados desceram a costa, unidos uns aos
outros, como solidários, para sempre no mesmo trabalho de grandeza imperecível.
Anciãs de passo vacilante, coroadas pela neve das experiências da vida,
abraçavam-se às filhas e netas, jovens e ditosas, tomadas de indefinível
embriaguez dalma.
Os
antigos discípulos, cercando a figura de Simão Pedro, choravam de contentamento
e esperança. Naquela noite de imperecível recordação, foi confiado aos
quinhentos da Galiléia o serviço glorioso da evangelização das coletividades
terrestres, sob a inspiração de Jesus-Cristo. Mal sabiam eles, na sua mísera
condição humana, que a palavra do Mestre alcançaria os séculos do porvir. E foi
assim que, representando o fermento renovador do mundo, eles reencarnaram em
todos os tempos, nos mais diversos climas religiosos e políticos do planeta,
ensinando a verdade e abrindo novos caminhos de luz, através dos bastidores
eternos do Tempo.
Foram
eles os primeiros a transmitir a sagrada vibração de coragem e confiança aos
que tombaram nos campos do martírio, semeando a fé no coração pervertido das
criaturas. Nos circos da vaidade humana, nas fogueiras e nos suplícios,
ensinaram a lição de Jesus, com resignado heroísmo. Nas artes e nas ciências,
plantaram concepções novas de desprendimento do mundo e de belezas do céu e, no
seio das mais variadas religiões da Terra, continuam revelando o desejo do
Cristo, que é de união e de amor, de fraternidade e concórdia.
Na
qualidade de discípulos sinceros e bem-amados, desceram aos abismos mais
tenebrosos, redimindo o mal com os seus sacrifícios purificadores, convertendo,
com as luzes do Evangelho, à corrente da redenção, os espíritos mais
empedernidos. Abandonados e desprotegidos na Terra, eles passam, edificando no
silêncio as magnificências do Reino de Deus, nos países dos corações e,
multiplicando as notas de seu cântico de glória por entre os que se constituem
instrumentos sinceros do bem com Jesus Cristo, formam a caravana sublime que
nunca se dissolverá.
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