Paulo escreveu aos Gálatas: “Não vos
enganeis; Deus não se deixa zombar; pois tudo o que o homem semear, isso também
ceifará”. [1] Alguns humoristas impiedosos, armados de repertórios
controvertidos, costumam debochar das desgraças alheias (bêbados, homossexuais,
analfabetos, jagunços, idosos, aleijados etc.), a fim de bancarem os seus
estúpidos shows.
Há dois mil anos Jesus foi ridicularizado.
Notemos: Nisso os soldados do governador levaram Jesus ao pretório, e reuniram
em torno dele toda a coorte. E, despindo-o, vestiram-lhe um manto escarlate; e
tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e na mão direita uma
cana, e ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos
judeus! E, cuspindo nele, tiraram-lhe a cana, e davam-lhe com ela na cabeça.
Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe o manto, puseram-lhe as suas
vestes, e levaram-no para ser crucificado. [2]
Ridicularizar, segundo o dicionarista, é
aquele que tira “onda” zomba; que vive caçoando, causando riso com a intenção
de debochar de algo ou de alguém; fazendo chacota com palavras, expondo-a ao
ridículo. Que trata alguém com escárnio. Que exprime, demonstra e utiliza
sarcasmo. Procurar tornar ridículo por meio de gestos, atitudes ou palavras
irônicas.
Os motivos podem ser muitos, dentre eles: Por
diferenças raciais, doenças deformantes, forma de ser (personalidade), características
regionais. Na verdade muitas pessoas são ridicularizadas pelo fato de não
estarem enquadradas no atual perfil psicossocial, que parece eleger as pessoas
“normais” e as “estranhas” que são alvos de zombarias cruéis.
Cientistas da Universidade de Leiden
(Holanda) concluíram que rir dos problemas dos outros – um hábito muito comum
entre os seres humanos – é sinal de baixa autoestima. Isso significa que, cada
vez que alguém faz chacota ao ver alguma pessoa em desventura está mostrando
que tem sérios problemas de auto aceitação.
Os estudos foram liderados pelo professor
Wilco W van Djik e analisaram 70 pessoas. A grande maioria delas confessou
ficar ditosa quando sabe que outra pessoa cometeu alguns deslizes ou se
machucou. Van Djik afirmou para a revista LiveScience que “pessoas com menor
autoestima se sentem melhor quando observam a desgraça alheia”. E esse
sentimento (de gostar de ver os outros sofrendo) tem um nome: Schadenfreude.
[3]
Raciocinando, dialogando ou trabalhando, “a
força de nossas ideias, palavras e atos alcança, de momento, um potencial
tantas vezes maior quantas sejam as pessoas encarnadas ou não que concordem
conosco, potencial esse que tende a aumentar indefinidamente, impondo-nos, de
retorno, as consequências de nossas próprias iniciativas”. [4
Nos anos 1940, Chico começava a ser conhecido
nacionalmente, e também era processado pela família do jornalista Humberto de
Campos , que exigia na justiça o pagamento dos direitos autorais pela venda dos
livros psicografados. Nessa mesma época, desembarcou em Pedro Leopoldo, David
Nasser[5] e Jean Manzon, respectivamente, repórter e fotógrafo da revista O
Cruzeiro, a revista de maior circulação no Brasil nessa época. O objetivo era
entrevistar e achincalhar Chico Xavier.
A dupla expôs ao extremo ridículo a vida de
Chico, justamente no momento mais crítico de sua vida, faltavam apenas alguns
dias para que o juiz proferisse a sentença no caso Humberto de Campos. Com o
título de “Chico Xavier, detetive do além” e dez páginas, a reportagem foi
publicada na revista no dia 12 de agosto de 1944. Em meio a elogios, David
aproveitava também para colocar em contradição os dons mediúnicos de Chico, sua
ingenuidade em alguns momentos e sua esperteza em outros.
Chico ficou indignado ao ler a reportagem. Ao
ver sua vida e sua imagem (dentro de uma banheira) sendo manipulada daquela
maneira, teve a certeza de que seria condenado. Chico chorava desesperadamente,
não acreditava que havia sido enganado, e se perguntava porque Emmanuel não o
alertou, se assim tivesse feito toda aquela humilhação não estaria acontecendo.
Em meio à crise de choro Emmanuel surgiu no
quarto e perguntou:
– Por que você chora?
– Por quê? É muita humilhação, uma vergonha,
um vexame.
E Emmanuel respondeu:
– Chico você tem que agradecer. Jesus foi
para a cruz, você foi só para “O Cruzeiro”. [6]
Toda a brecha de sombra em nossa
personalidade retrata a sombra maior. Qual o pequenino foco infeccioso que,
abandonado a si mesmo, pode converter-se dentro de algumas horas no bolo pestífero
de imensas proporções, o deboche, a zombaria, “a maledicência pode
precipitar-nos no vício, tanto quanto a cólera sistemática nos arrasta, muita
vez, aos labirintos da loucura ou às trevas do crime”. [7]
Em suma, se zombarem de nós, sigamos o sábio
conselho de Emmanuel – façamos do limão uma limonada e prossigamos em paz
Jorge Hessen
Referências
bibliográficas:
[1]Gálatas
6:7
[2]
Mateus, 27: 27-31
[3]
A palavra deriva do alemão Schaden “dano, prejuízo” e Freude “alegria,
prazer”.é um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras
línguas do Ocidente para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante
o dano ou infortúnio de um terceiro.
[4]
Xavier, Francisco Cândido. Pensamento e Vida, cap. 8, ditado pelo Espírito
Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 1977
[5]
Na década de 1970, David Nasser, em uma reportagem publicada no jornal carioca
O Dia, se mostrou arrependido ao definir Chico Xavier como “o maior remorso da
minha vida”.
[6]
http://www.acaminhodaluz.net.br/v2/momentos-com-chico-xavier/103-chico-na-revista-o-cruzeiro.html
[7]
Idem
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