Discurso de abertura pelo SR. ALLAN KARDEC
(Sociedade de Paris, 1º de novembro de 1868).
O Espiritismo é uma religião?
“Onde quer que se encontrem duas ou
três pessoas reunidas em meu nome, aí estarei com elas.” (Mat. XVIII, 20).
Caros irmãos e irmãs espíritas,
Estamos reunidos, neste dia consagrado
pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a
Terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição
e de fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre
eles a bondade do Todo-Poderoso. Mas, por que nos reunirmos? Não podemos fazer,
cada um em particular, o que nos propomos fazer em comum? Qual a utilidade que
pode haver em se reunir assim num dia determinado?
Jesus no-lo indica pelas palavras
citadas no alto. Essa utilidade está no resultado produzido pela comunhão de
pensamentos que se estabelece entre pessoas reunidas com o mesmo objetivo.
O laço estabelecido por uma religião,
seja qual for o seu objetivo, é, pois, um laço essencialmente moral que liga os
corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não apenas o fato de
compromissos materiais que podemos romper à vontade, ou da realização de
fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral
é o de estabelecer entre as pessoas que ele une, como consequência da comunhão
de vistas e de sentimentos, a fraternidade
e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É
nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família.
Se assim é,
perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem
dúvida, senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós
nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os laços da
fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas
sobre as mais sólidas bases: as próprias leis da Natureza.
Por que, então, temos declarado que o
Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir duas
ideias diferentes, e porque, na opinião geral, a palavra religião é inseparável
da ideia de culto; porque ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o
Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o público não veria
aí senão uma nova edição, uma variante, se quiserem, dos princípios absolutos
em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de
cerimônias e de privilégios; ele não o separaria das ideias de misticismo e dos
abusos contra os quais tantas vezes a opinião pública se levantou.
Não tendo o Espiritismo nenhum dos
caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia
enfeitar-se com um título sobre cujo valor as pessoas inevitavelmente
ter-se-iam equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e
moral.
As reuniões espíritas podem, pois, ser
feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito que comporta a
natureza grave dos assuntos de que elas se ocupam. Pode-se mesmo, na ocasião,
fazer preces que em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem
que por isto as tomem por assembleias religiosas. Não
penseis que isto seja um jogo de palavras; a nuança é perfeitamente clara, e a
aparente confusão é devida à falta de um vocábulo para cada ideia.
Qual é, pois, o laço que deve existir
entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato
material, por nenhuma prática obrigatória; qual o sentimento no qual se devem
confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual,
todo humanitário: o da caridade para com todos, ou, por outras palavras: o amor
ao próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os mortos
também fazem parte da Humanidade.
A caridade é a alma do Espiritismo. Ela
resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e para com os seus
semelhantes; eis por que podemos dizer que não há verdadeiro espírita sem
caridade.
Mas a caridade é ainda uma dessas
palavras de sentido múltiplo, cujo inteiro alcance deve ser bem compreendido, e
se os Espíritos não cessam de pregá-la e defini-la, é que provavelmente eles
reconhecem que isto ainda é necessário.
O campo da caridade é muito vasto. Ele
compreende duas grandes divisões que, na falta de termos especiais, podemos
designar pelas expressões: caridade beneficente e caridade
benevolente. Compreende-se facilmente a primeira, que é naturalmente
proporcional aos recursos materiais de que se dispõe; mas a segunda está ao
alcance de todos, tanto do mais pobre quanto do mais rico. Se a beneficência é
forçosamente limitada, nada, além da vontade, poderia colocar limites à
benevolência.
O que é preciso, então, para praticar a
caridade benevolente? Amar ao próximo como a si mesmo: ora, se amarmos ao
próximo como a nós mesmos, amá-lo-emos muito; agiremos para com os outros como
gostaríamos que os outros agissem para conosco; não desejaremos nem faremos mal
a ninguém, porque não gostaríamos que no-lo fizessem.
Amar ao próximo é, pois, abjurar todo
sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja, de ciúme, de
vingança, numa palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar
aos seus inimigos e retribuir o mal com o bem; é ser indulgente para com as
imperfeições de seus semelhantes e não procurar o cisco no olho do vizinho,
quando não vemos a trave que temos no nosso; é cobrir ou desculpar as faltas
dos outros, em vez de nos comprazermos em pô-las em relevo por espírito de
maledicência; é, ainda, não nos fazermos valorizar à custa dos outros; não
procurarmos esmagar a pessoa sob o peso de nossa superioridade; não
desprezarmos ninguém por orgulho. Eis a verdadeira caridade benevolente, a
caridade prática, sem a qual a caridade é palavra vã; é a caridade do
verdadeiro espírita como do verdadeiro cristão, aquela sem a qual quem
diz: Fora da caridade não há salvação, pronuncia sua própria
condenação, tanto neste quanto no outro mundo.
Quanta coisa haveria a dizer a tal
respeito! Quantas belas instruções nos dão os Espíritos incessantemente! Sem o
receio de alongar-me e de abusar de vossa paciência, senhores, seria fácil
demonstrar que, em se colocando no ponto de vista do interesse pessoal,
egoísta, se preferirdes, porque nem todos os homens estão maduros para uma
completa abnegação para fazer o bem unicamente por amor do bem, digo que seria
fácil demonstrar que eles têm tudo a ganhar em agir deste modo e tudo a perder
agindo diversamente, mesmo em suas relações sociais; depois, o bem atrai o bem
e a proteção dos bons Espíritos; o mal atrai o mal e abre a porta à malevolência
dos maus. Mais cedo ou mais tarde o orgulhoso será castigado pela humilhação, o
ambicioso pelas decepções, o egoísta pela ruína de suas esperanças, o hipócrita
pela vergonha de ser desmascarado. Aquele que abandona os bons Espíritos por
estes é abandonado e de queda em queda se vê, por fim, no fundo do abismo, ao
passo que os bons Espíritos erguem e amparam aquele que, nas maiores provações,
não deixa de confiar na Providência e jamais se desvia do reto caminho, aquele,
enfim, cujos secretos sentimentos não dissimulam nenhum pensamento oculto de
vaidade ou de interesse pessoal. Então, de um lado, ganho assegurado; do outro,
perda certa; cada um, em virtude de seu livre-arbítrio, pode escolher os riscos
que quer correr, mas não poderá queixar-se senão de si mesmo pelas
consequências de sua escolha.
Crer num Deus todo-poderoso,
soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência
da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existências
como meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na
perfectibilidade dos mais imperfeitos seres; na felicidade crescente com a
perfeição; na equitável remuneração do bem e do mal, conforme o princípio: a
cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem
exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação
limitada pela da imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre
a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade das relações entre o mundo
visível e o mundo invisível; na solidariedade que religa todos os seres
passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados; considerar a vida
terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterna;
aceitar corajosamente as provações, em vista do futuro mais desejável que o
presente; praticar a caridade em pensamentos, palavras e obras na mais larga
acepção da palavra; esforçar-se todos os dias para ser melhor que na véspera,
extirpando alguma imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao
controle do livre exame e da razão e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas
as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam e não violentar a
consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da Ciência a revelação das
leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião
do Espiritismo, religião que pode congraçar-se com todos os cultos,
isto é, com todas as maneiras de adorar Deus. É o laço que deve unir todos os
espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ele ligue todos os
homens sob a bandeira da fraternidade universal.
Com a fraternidade, filha da caridade,
os homens viverão em paz e se pouparão dos males inumeráveis que nascem da
discórdia, por sua vez filha do orgulho, do egoísmo, da ambição, do ciúme e de
todas as imperfeições da Humanidade.
O Espiritismo dá aos homens
tudo o que é preciso para a felicidade aqui na Terra, porque lhes ensina a se
contentarem com o que eles têm. Que os espíritas sejam, pois, os primeiros a
aproveitar os benefícios que ele traz, e que inaugurem entre si o reino da
harmonia que resplandecerá nas gerações futuras.
Os Espíritos que nos rodeiam aqui são
inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos ao nos reunirmos, a fim
de dar aos nossos pensamentos a força que nasce da união. Demos aos que nos são
caros um boa lembrança e o penhor de nossa afeição, encorajamento e consolações
aos que estão necessitados. Façamos de modo que cada um recolha a sua parte dos
sentimentos de caridade benevolente de que estivermos animados, e que esta
reunião produza os frutos que todos têm o direito de esperar.
ALLAN KARDEC.
Depois deste discurso, foi lida uma
comunicação espontânea, ditada pelo Espírito do Sr. H. Dozon, em 1º de novembro
de 1865, sobre a solenidade do dia de Todos os Santos, e que é lida todos os
anos, na sessão comemorativa.
O Dia de Todos os Santos
A festa de Todos os Santos, meus bons
amigos, é uma festa que, para a maior parte dos que não possuem a verdadeira
fé, os entristece e lhes faz derramar lágrimas, em vez de se alegrarem.
Observai que desde a humilde choupana até o palácio, quando o dobre a finados
lembra o nome do esposo ou da esposa, de um pai, de uma mãe, de um filho, de
uma filha, eles choram. Parece que tudo está acabado, que eles nada mais têm a
esperar aqui embaixo, contudo, eles oram! Que é, então, essa prece? É um
pensamento dirigido ao ser amado, mas sem esperança. O choro abafa a prece. Por
quê? Ah! É que eles duvidam; eles não têm essa fé viva que
infunde a esperança, que vos sustenta nas maiores lutas. É que eles não
compreenderam que a vida na Terra não é senão uma separação momentânea; numa
palavra é que aqueles que lhes ensinaram a orar não tinham, também eles, a fé
verdadeira, a fé que se apoia na razão.
Mas é chegada a hora em que estas belas
palavras do Cristo vão ser, enfim, compreendidas: “Meu pai deve ser adorado,
não mais apenas nos templos, mas em toda parte, em espírito e em verdade.”
Tempo virá em que elas se realizarão. Belas e sublimes palavras! Sim, meu Deus,
não sois adorado apenas nos templos, mas sois adorado no monte e por toda
parte. Sim, aquele que molhou os lábios na taça bendita do Espiritismo, ora não
só neste dia, mas diariamente; o viajante ora em seu caminho, o operário
durante o seu trabalho; aquele que pode dispor de seu tempo o emprega no alívio
de seus irmãos que sofrem.
Meus irmãos, alegrai-vos, pois dentro
de pouco tempo vereis grandes coisas! Quando eu estava na Terra, eu via a
Doutrina grande e bela, mas eu estava bem longe de poder compreendê-la em toda
a sua grandeza e em seu verdadeiro objetivo. Assim, vos direi: Redobrai de
zelo; consolai os que sofrem, porque há seres que foram de tal modo afligidos
durante a sua vida, que necessitam ser amparados e ajudados na luta. Sabeis quanto
a caridade é agradável a Deus. Praticai-a, pois, sob todas as formas;
praticai-a em nome dos Espíritos cuja memória festejais neste dia, e eles vos
bendirão!
H. DOZON.
Depois das preces de costume (Ver
a Revista Espírita de novembro de 1865), trinta e duas
comunicações foram obtidas pelos médiuns presentes, em número de dezoito. Dada
a impossibilidade de publicá-las todas, a Sociedade fez uma escolha das três
seguintes, para serem anexadas ao discurso acima, cuja impressão ela pediu. As
outras terão lugar nas coleções especiais que serão publicadas ulteriormente.
I
O grande Espírito Larochefoucauld
disse, numa de suas obras, que deveríeis tremer diante da vida e diante da
morte! Certamente, se deveis tremer, é por ver vossa existência incerta,
perturbada, completamente falha; é por terdes realizado um trabalho estéril,
inútil para vós e para outros; é por terdes sido um falso amigo, um mau irmão,
um conselho pernicioso; é por serdes mau filho, pai irrefletido, cidadão
injusto, desconhecedor de vossos deveres, de vosso país, das
leis que vos regem, da sociedade e da solidariedade.
Quantos de meus amigos vi, Espíritos
brilhantes, engenhosos, instruídos, muitas vezes faltarem ao objetivo profundo
da vida! Eles construíam hipóteses mais ou menos absurdas: aqui a negação; ali,
a fé ardente; além, se faziam neófitos deste ou daquele sistema de governo, de
filosofia, e muitas vezes lançavam, ai de mim! suas belas inteligências num
fosso, de onde elas não podiam mais sair senão feridas e enxovalhadas para sempre.
A vida, com suas asperezas, seus maus
gostos e suas incertezas, é, entretanto, uma coisa bela! Como! Saís de um
embrião, de um nada, e atraís em torno de vós os beijos, os cuidados, o amor, o
devotamento, o trabalho, e isto não seria nada senão a vida! Como é, então, que
para vós, seres fanados, sem força, sem linguagem, gerações inteiras criaram os
campos incessantemente explorados da poupança humana? Poupança de saber, de
Filosofia, de Mecânica, de Ciências diversas; milhares de cidadãos corajosos
gastaram os seus corpos e dispuseram de suas vigílias para vos criar os mil
elementos diversos de vossa civilização. Desde as primeiras letras até uma
definição sábia, encontra-se tudo o que pode guiar e formar o espírito; hoje
pode-se ver, porque tudo é luz. A sombra das idades sombrias desapareceu para
sempre, e o adulto de dezesseis anos pode contemplar e admirar um nascer do sol
e analisá-lo, pesar o ar e, com o auxílio da Química, da Física, da Mecânica e
da Astronomia, criar mil gozos divinos. Com a pintura, ele reproduz uma
paisagem; com a música, ele escreve algumas dessas harmonias que Deus espalha
em profusão nas harmonias infinitas!
Com a vida, pode-se amar, dar, espalhar
muito; por vezes pode-se ser sol e iluminar o seu interior, a sua família, as
suas relações, ser útil, cumprir a sua missão. Oh! sim, a vida é uma coisa
bela, fremente, cheia de fogo e de expansão, cheia de fraternidade e desses
deslumbramentos que jogam as misérias para o último plano.
Ó vós todos, meus caros condiscípulos
da Rua de Richelieu; vós, meus fiéis do 14; vós todos que tantas vezes
interrogastes a existência vos perguntando a palavra do fim; a vós que baixais
a cabeça, incertos ante a última hora, diante da palavra Morte, que
significa para vós: vazio, separação, desagregação, a vós eu
venho dizer: Erguei a cabeça e esperai, não mais fraqueza, não mais terror,
porque se os vossos estudos conscienciosos e as religiões de nossos pais não
vos deixaram senão desgosto da vida, incerteza e incredulidade, é que, estéril
em tudo, a ciência humana mal conduzida só atingia o nada. Vós todos, que amais
a Humanidade e resumis a esperança futura pelo estudo das ciências sociais, por
sua aplicação séria, eu vos digo: Esperai, crede e procurai. Como eu, deixastes
passar a verdade; nós a abandonávamos e ela batia à nossa porta, que
obstinadamente lhe havíamos fechado. Daqui por diante amareis a vida, amareis a
morte, essa grande consoladora, porque quereis, por uma vida exemplar, evitar
um recomeço; querereis esperar no sólio da erraticidade todos aqueles que
amais, não somente a vossa família, mas a geração inteira que guiastes, para
lhes desejar as boas-vindas e a emigração para mundos superiores.
Vedes que vivo e todos nós vivemos. A
reencarnação, que tanto nos fez rir, é o problema resolvido que tanto
procuramos. Aí está esse problema em vossas mãos, cheio de atrativos, de
promessas ardentes; vossos pais, vossas esposas, vossos filhos, a multidão de
amigos vos querem responder; eles estão todos reunidos, esses caros
desaparecidos aos vossos olhos; eles falarão ao vosso espírito, à vossa razão;
eles vos revelarão verdades, e a fé é uma lei bem-amada; mas, interrogai-os com
perseverança.
Ah! A morte nos causava medo e nós
tremíamos! Entretanto, eis-me aqui, eu, Guillaumin, um incrédulo, um incerto,
reconduzido à verdade. Milhares e milhares de Espíritos se apressam, esperam a
vossa decisão; eles gostam da lembrança e da peregrinação pelos cemitérios! É
uma baliza esse respeito aos mortos, mas esses mortos estão todos vivos. Em vez
de urnas funerárias e de epitáfios mais ou menos verdadeiros, eles vos pedem
uma troca de ideias, de conselhos, um suave comércio de espírito, essa
comunidade de ideias que gera a coragem, a perseverança, a vontade, os atos de
devotamento, e esse fortificante e consolador pensamento que a vida se
retempera na morte e que podeis, de agora em diante, a despeito de
Larochefoucauld e de outros grandes gênios, não tremer diante da vida nem
diante da morte.
Deus é a exuberância, é a vida em tudo
e sempre. Cabe a nós compreender sua sabedoria nas diversas fases pelas quais
ele purifica a Humanidade.
GUILLAUMIN.
(Médium: Sr. Leymarie).
II
Escolher mal o meu momento foi sempre
uma das minhas inabilidades contínuas, e vir neste dia, em meio a esta
numerosa reunião de Espíritos e de encarnados, é muito realmente um ato de
audácia de que só a minha timidez pode ser capaz. Mas vejo em vós tanta
bondade, doçura e amenidade; sinto tão bem que em cada um de vós posso
encontrar um coração amigo, compassivo, e sendo a indulgência a menor das
qualidades que animam os vossos corações, malgrado a minha audácia, não me
perturbo e conservo toda a presença de espírito que por vezes me falta, em
circunstâncias menos imponentes.
Mas, perguntareis, o que vem fazer,
então, com sua verbiagem insinuante, esse desconhecido que em lugar de um
instrutor vem monopolizar um médium útil? Quanto ao presente tendes razão.
Assim, apresso-me em dar a conhecer o meu desígnio, para não me apropriar por
muito tempo de um lugar que usurpo.
Numa passagem do discurso hoje
pronunciado por vosso presidente, uma reflexão vibrou-me ao ouvido, como só uma
verdade pode vibrar e, confundido na multidão de Espíritos atentos, de súbito
pus-me a descoberto. Ainda fui severamente julgado por uma porção de Espíritos
que, baseando-se em suas recordações e na reputação de uma apreciação trazida
de outros tempos, subitamente reconheceram em mim o misantropo selvagem, o urso
da civilização, o austero crítico das instituições em desacordo com seu próprio
raciocínio. Ai de mim! Como um erro faz sofrer e há quanto tempo dura o mal
praticado contra as massas pela tola pretensão de um orgulhoso da humildade, de
um louco do sentimento!
Sim, tendes razão: o isolamento em
matéria religiosa e social não pode engendrar senão o egoísmo e, sem que muitas
vezes dele se dê conta, o homem se torna misantropo, deixando o seu egoísmo
dominá-lo. O recolhimento produzido pelo efeito do silêncio grandioso da
Natureza falando à alma é útil, mas a sua utilidade não pode produzir seus
frutos senão quando o ser que ouve a Natureza falar à sua
alma, relata aos homens a verdade da sua moral. Mas se aquele que sente, em
face da criação, sua alma se voar para as regiões de uma era pura e virtuosa,
não se serve de suas sensações, ao despertar, no meio das instituições de sua
época, senão para censurar os abusos que sua natureza sensitiva lhe exagera,
porque ela sofre com isto, se ele não encontra, para endireitar os erros dos
humanos, senão fel e ressentimento, sem lhes mostrar docemente o verdadeiro caminho,
tal qual o descobriu na própria Natureza, oh! então, infeliz dele, se não se
servir de sua inteligência senão para açoitar, em vez de cuidar das feridas da
Sociedade!
Sim, tendes razão: viver só no meio da
Natureza é ser egoísta e ladrão, porque o homem foi criado para a sociabilidade;
e isto é tão verdadeiro que eu, o selvagem, o misantropo, o intratável eremita,
venho aplaudir esta passagem do discurso aqui pronunciado: O isolamento social
e religioso conduz ao egoísmo.
Uni-vos, pois, nos esforços e nas
ideias; sobretudo, amai. Sede bons, suaves, humanos; dai à amizade o sentimento
da fraternidade; pregai pelo exemplo dos vossos atos, os salutares efeitos de
vossas crenças filosóficas; sede espíritas de fato e não somente de nome, e em
breve os loucos do meu gênero, os utopistas do bem, não terão mais necessidade
de gemer sobre os defeitos de uma legislação sob a qual eles devem viver,
porque o Espiritismo, compreendido e sobretudo praticado, reformará tudo, para
vantagem dos homens.
J. J. ROUSSEAU.
(Médium: Sr. Morin)
III
O perfume que exala de todos os bons
sentimentos é uma prece constante que se eleva para Deus, e todas as boas ações
são ações de graça ao Eterno.
SRA. VICTOR HUGO.
O devotamento pelo reconhecimento é um
impulso do coração; o devotamento pelo amor é um impulso da alma.
SRA. DAUBAN.
O reconhecimento é um benefício que
recompensa aquele que o merece. A gratidão é um ato do coração que dá, ao mesmo
tempo, o prazer do bem àquele a quem se deve ser reconhecido, e àquele que o é.
VÉZY.
A ingratidão é punida como ação má pelo
abandono de que é objeto, como a gratidão é recompensada pela alegria que
proporciona.
LECLERC.
O dever da mulher é trazer ao homem
todas as consolações e os encorajamentos necessários à sua vida de vicissitudes
e penosos trabalhos. A mulher deve ser seu sustentáculo, seu guia, o facho que
ilumina o seu caminho, e deve impedi-lo de falir. Se ela faltar à sua missão,
será punida, mas se, malgrado o seu devotamento, o homem repele os impulsos de
seu coração, ela é duplamente recompensada por haver persistido no cumprimento
de seus deveres.
DELPHINE DE GIRARDIN.
A dúvida é o veneno lento que a alma
faz a matéria absorver e da qual recebe o primeiro castigo. A dúvida é o
suicídio da alma, que traz infalivelmente a morte do corpo. Uma alma
suicidar-se é difícil de compreender. Mas não é morrer o viver na sombra, quando
se sente a luz em volta de si? Afastai, pois, do vosso Espírito, o véu que
encobre os esplendores da vida, e vede esses sóis radiosos que vos dão o dia:
aí está a verdadeira luz; aí está o objetivo a que deveis chegar pela fé.
JOBARD.
O egoísmo é a paralisação de todos os
bons sentimentos. O egoísmo é a deformidade da alma, que traspassa a matéria,
fazendo-vos amar tudo o que a ela se dirige e repelir tudo o que se dirige aos
outros. O egoísmo é a negação da sublime sentença do Cristo, sentença invertida
ignominiosamente: “Fazei aos outros o que gostaríeis que eles vos fizessem.”
PLÁCIDO.
A susceptibilidade, eis um defeito para
uso de todos, e cada um, não ides dizer o contrário, dele está um pouco
carregado. Ufa! Se soubésseis quanto é ridículo ser suscetível e quanto esse
defeito torna desajeitado, eu vos asseguro que ninguém mais desejaria ser por
ele atingido, porque se gosta de ser belo.
GAY.
O orgulho é o guarda-chuva social de
todos e que cada um arroja sobre o gracioso amor-próprio; certamente é preciso
ter amor-próprio e orgulho, é o que dá a ambição do bem (sem jogo de palavras),
mas demasiado, estraga o espírito e corrompe o coração.
MANGIN.
A ambição, ele acaba de dizer, mas
sabeis qual a ambição que não impede a alma de elevar-se para os esplendores do
infinito? Pois bem! É a que vos induz a fazer o bem. Todas as outras ambições
vos levam ao orgulho e ao egoísmo, flagelos da Humanidade.
BONNEFON.
Meus caros amigos, os Espíritos que vos
vêm falar, não só estavam felizes por manifestar sua presença, mas têm a
alegria de pensar que cada um de vós esforçar-se-á para se corrigir e pôr em
prática as sábias lições que vos deram e as que vos trazem em cada uma de
vossas sessões. Crede, os Espíritos são para vós o que vossos pais foram ou
deveriam ter sido. Eles repreendem quando vos aconselham e vos ajudam, e
enquanto não os escutais, dizem que vos abandonam; revoltam-se contra vós, e
logo depois de vos terem falado duramente, voltam vos encorajando e se
esforçando para impelir constantemente os vossos pensamentos para o bem. Sim,
os Espíritos vos amam como o bom pai ama a seus filhos; eles vos têm piedade,
cuidam de vossos dias e afastam de vós todo mal que vos pode acontecer, como a
mãe cerca o filho de todos os cuidados mais delicados, de todas as atenções
necessárias à sua fragilidade. Deus lhes deu essa missão; deu-lhes a coragem
para cumpri-la e nenhum desses bons Espíritos, seja qual for o seu grau na
hierarquia espiritual, falhará na sua tarefa. Eles compreendem, sentem, veem
esses esplendores divinos que devem ser a sua recompensa; eles vão adiante e
desejariam levar-vos atrás deles, impelir-vos adiante deles, se o pudessem. Eis
por que vos repreendem; eis por que vos aconselham. Por vossa vez, orai por
eles, para que a vossa indocilidade não os impeça de continuar
prodigalizando-vos seus benefícios, e que Deus continue a lhes dar a força de
vos ajudar.
SÃO LUÍS.
(Médium: Sr. Bertrand).
Publicado na Revista Espírita de dezembro de 1.868.
PS
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