"O homem
que sofre é semelhante a um devedor de grande soma, a quem o credor dissesse:
“Se me pagares hoje mesmo a centésima parte, darei quitação do resto e ficarás
livre; se não, vou perseguir-te até que pagues o último centavo”. O devedor não
ficaria feliz de submeter-se a todas as privações, para se livrar da dívida,
pagando somente a centésima parte da mesma? Em vez de queixar-se do credor, não
lhe agradeceria? (Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. V - item
12)".
A palavra resignação aparece com bastante
frequência em palestras e livros espíritas. Também está presente nas obras
básicas de Allan Kardec, especialmente no Evangelho Segundo o Espiritismo ─ Cap. V - “Bem aventurados os Aflitos”.
Esse capítulo aborda, inicialmente, a temática do sofrimento e das
provas e expiações e suas origens nesta e noutras existências, causas de muitos
de nossos problemas atuais, em vista de nossas escolhas e pela semeadura
que fazemos ao longo da nossa esteira reencarnatória. No final, o capítulo
aborda o suicídio. Contudo, destacaremos, aqui, o seu item 12 ─ “Motivos de Resignação”.
Resignação
Quando adentramos a Doutrina Espírita, muitas questões perpassam
por nossas mentes. Logo nos deparamos com algum expositor nos orientando para
sermos resignados. O que seria, então, resignação? Como compreender
os dramas que a vida nos propõe, frutos ou não de nossas escolhas? Como
proceder para ser considerado um indivíduo resignado?
Muitas vezes, entendemos resignação como aceitação do problema ou
da dor, sem buscarmos alívio, respostas ou o entendimento para o que ocorre
conosco. E também, principalmente, porque devemos ser resignados, questionando
aonde isso vai nos levar.
“A resignação, ou ainda aceitação, na espiritualidade, na conscientização
e na psicologia humana, geralmente se refere à experienciar uma situação sem a
intenção de mudá-la. A aceitação não exige que a mudança seja possível ou mesmo
concebível, nem necessita que a situação seja desejada ou aprovada por aqueles
que a aceitam. De fato, a resignação é freqüentemente aconselhada quando uma
situação é tanto ruim quanto imutável, ou, quando a mudança só é possível a um
grande preço ou risco. [...] Noções de aceitação são proeminentes em muitas fés
e práticas de meditação”. Por exemplo, a primeira nobre verdade do Budismo,
"a vida é sofrimento", convida as pessoas a aceitarem que o
sofrimento é uma parte natural da vida.” ( Wikipédia, a enciclopédia
livre).
É justamente esse significado que complica o ensinamento. Se resignação
é somente aceitação, sem expectativas de mudanças, ou, mesmo, aceitação pura e
simples, fica muito fácil a derrapagem na acomodação, na inércia. É só dizer
que “Deus quer assim”, e que nada pode mudar.
Se muitos dos nossos problemas não podem ser mudados nesta
existência, podemos, entretanto, pela sua compreensão, mudar a forma de
enfrentá-los. Ou aliviamos o tal “sofrer”, passando pela dor, sem lamentação ou
reclamação constante (atitude essa, muitas vezes, responsável por mais dor), ou
fazemos o problema ou a dor parecerem maior do que realmente são.
No que diz respeito à citação budista ─ “a vida é sofrimento” ─, é válido ressaltar que esse sofrer significa “passar por”, sofrer uma situação de dor. Não recebe, portanto, a conotação de lamentação, desesperação.
A Terra, por ser um mundo de provas e expiações, obviamente não é
um paraíso de delicias. Estamos aqui para evoluir. A dor, nesse caso, quase
sempre, transforma-se no impulso evolutivo necessário à nossa caminhada.
Atrelada à Lei de Ação e Reação, ela nos convida, não raras vezes, ao reajuste,
ao resgate de nossos débitos anteriores ou atuais.
Quando temos um problema, a dor que dele resulta é um fato - algo
que acontece ou aconteceu. O sofrimento é a nossa resposta a esse fato, a nossa
reação diante da dor, do fato, do problema.
É bom lembrar, quanto a isso, que a dor pode vir atrelada ao campo
das causas e efeitos, mas o sofrimento é opcional, ou seja, não sofrer no
sentido de não se lamentar, não se desesperar, equivalendo dizer, não perder a
esperança. Em verdade, isso não nos retira o cadinho da dor, mas sublima os
nossos sentimentos em relação ao fato.
“O homem pode abrandar ou aumentar o amargor das suas provas, pela
maneira de encarar a vida terrena. Maior é o eu sofrimento, quando o considera
mais longo. Ora, aquele que se coloca no ponto de vista da vida espiritual,
abrange na sua visão a vida corpórea, como um ponto no infinito, compreendendo
a sua brevidade, sabendo que esse momento penoso passa bem depressa
[...]”. (ESE - Cap. V, item 13).
Diante desses apontamentos, podemos afirmar, sem sombra de dúvida,
que resignação é dor sem sofrimento, momento em que o individuo,
ante a imortalidade da alma, compreende o processo. Não pela subserviência,
submissão ou inércia diante dos fatos, mas por uma oportunidade de crescimento
que nos impulsiona à busca do melhor para nós e para o momento.
Resiliência
O caro leitor, nessa altura do texto, há de perguntar: - E a tal
resiliência?
A resiliência começa justamente quando a dor nos encontra.
“Resiliência (psicologia) - A psicologia tomou essa imagem
emprestada da física, definindo resiliência como a capacidade do indivíduo
lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações
adversas - choque, estresse, etc. - sem entrar em surto psicológico. Tais
conquistas, face essas decisões, propiciam forças na pessoa para enfrentar a
adversidade. Assim entendido, pode-se considerar que a resiliência é uma
combinação de fatores que propiciam ao ser humano, condições para enfrentar e
superar problemas e adversidades [...]”. (Wikipédia, a enciclopédia
livre).
Quando o texto acima afirma que a Psicologia tomou emprestado o
termo da Física, é porque resiliência é a “[...] Propriedade de um corpo
de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.” (Dic.
online Priberam). Já na Medicina o termo se aplica quando um osso fraturado consegue
retomar sua forma original. Podemos dizer, assim, que
a resiliência se configura quando, diante de problemas, pressões e
traumas, conseguimos superar os obstáculos “dando a volta por cima”, como diz
popularmente. É a capacidade de organizar, avaliar e retomar o nosso
caminho, com a percepção, porém, de “dor” como fonte de
crescimento, e não de sofrimento.
O que, então, nos faz resignados ou resilientes?
Podem ser considerados resignados e resilientes indivíduos que
suportam grandes dramas na vida, ou passam por situações problemáticas
constantemente e, mesmo assim, mantêm um olhar de paz e tranquilidade
(considerando-se que os olhos são os espelhos da alma), superando os obstáculos
que a vida coloca à sua frente, e dessa forma, superando a si mesmos.
O grande segredo, se é que podemos falar assim, encontra guarita
na fé. A fé humana em si mesmo - autoconfiança. A fé divina no Criador, certeza
absoluta de que não estamos sós, de que tudo passa e que nossas dores chegarão
logo ao fim. Fé é a certeza de que o futuro nos reserva algo muito melhor.
É a visão na vida futura, que glorifica os dias na Terra, de tantas provas e
expiações. É visão mais além, que modifica o nosso comportamento diante das
dores e aflições, e que, nos modificando, transforma tudo o que está à nossa
volta.
Somos, portanto, artífices da nossa evolução espiritual,
escultores de nós mesmos, tendo o cinzel da vontade como ferramenta
para talhar as pedras que nos cobrem e dificultam a nossa existência,
removendo, assim, os entulhos do passado para, então, lapidados e polidos,
apresentarmos face nova diante do Criador e, afinal, podermos dizer,
parafraseando o Apóstolo Paulo: “Já não sei se vivo no Cristo ou é o
Cristo que vive em mim".
PS
Sensacional esse texto. A explicação é extremamente esclarecedora. Precisamos ler, entender e aplicar cada dia mais em nossas vidas. Parabéns ao Grupo Lauro por essa publicação.
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