Diz você, meu amigo, que, depois de
haver assistido a alguns trabalhos interessantes de materialização, passou a,
registrar estranhas modificações no modo de ver. Assinalou diversas entidades
momentaneamente corporificada, à frente dos olhos, e, pela surpreendente
claridade que irradiavam, compreendeu a beleza da vida Quando os clarões das
luzes inexprimíveis se apagaram, retomou, quase desacoroçoado, à tarefa comum.
A lembrança das sugestivas revelações perdurava-lhe na memória; entretanto, a
via pública pareceu-lhe mais fria e o ambiente doméstico, onde ninguém se lhe
afeiçoa, as idéias, figurou-se-lhe um cárcere ao pensamento. No dia seguinte,
em retomando o serviço habitual, os companheiros de luta, menos esclarecidos,
eram mais duros de suportar. Deslocara-se-lhe a mente. À maneira do lenhador
que examina uma central elétrica, você passou a sentir o peso do trabalho no
carvão comum. Para, que alimentar o fogo, a toras, de madeira, se há força
acessível e eficiente? Tedioso cansaço assomou-lhe o coração. E marcou,
espantado, o vigoroso conflito entre sua alma e a realidade, através de
incoercível desajustamento. Não seria razoável abandonar toda atividade
considerada por inferior e partir em busca das claridades de cima? Valeria a
pena prosseguir enfrentando o barro da cerâmica em que você trabalha, quando a
imortalidade se lhe patenteou, indiscutível e brilhante? Todavia, é forçoso
considerar que se a semente pudesse despertar ante a grandeza de uma espiga
madura e não se sujeitasse mais ao serviço que lhe compete na cova lodacenta,
naturalmente o mundo se privaria, de pão. O plano espiritual, contudo, não
pretende instalar a fome ou a ociosidade na Terra. O Planeta é uma escola em
que a inteligência encarnada recebe a lição de que necessita. Entre a maloca
indígena e o castelo civilizado, medeiam muitos séculos de cultura, com
experiências vastíssimas e assombrosas, e, entre o palácio dos homens e o
santuário dos anjos, há que andar por numerosos séculos ainda... O
Cristianismo que você abraçou, com tanta sinceridade e ternura, permanece
repleto de ensinamentos nesse sentido. Diante do Tabor, em que Espíritos
bem-aventurados se materializaram, ao lado do Mestre, em transfiguração
indescritível, Pedro, deslumbrado, pede para que uma choupana seja ali construída,
a fim de que nunca mais regressassem ao mundo vulgar; entretanto, o grande
apóstolo é arrebatado, de lá, ao torvelinho de ação rotineira, dentro do qual
perdeu e venceu, várias vezes, sob o tacão de vicissitudes humanas, até
alcançar a verdadeira exaltação pelo martírio e pelo sacrifício. Envolve-se
Paulo num dilúvio de bênçãos, nas vizinhanças de Damasco, mas, ao invés de
acompanhar o Cristo magnânimo que o abraça, de improviso, é convocado a
perambular, por muitos anos, entre desapontamento e pedradas, no seio da
multidão. Que mais? O próprio Mestre, no Jardim da prece solitária, sente-se
visitado por um anjo divino que desce do firmamento, em sublime esplendor;
todavia, longe de segui-lo em carro de triunfo para as Esferas Superiores,
desce para o cárcere, sofre o insulto da turba ameaçadora, e marcha, humilhado,
para a crucificação. Não transforma, pois, a excelência do estímulo revelador
em desalento para o trabalho natural. Valores imperecíveis não surgem de
imediato. Tempo e esforço são as chaves do crescimento da alma. Se os Espíritos
elevados reaparecem no intercâmbio dos dois círculos de vida, a que nos
ajustamos, é que se inspiram no ministério da caridade e desejam acordar os
homens para mais altas noções de justiça e fraternidade, a fim de que se
fortaleçam e aprimorem, perante a continuidade da vida e da individualidade,
além túmulo... Se você foi chamado às tarefas do oleiro, atenda, quanto
possível, ao enriquecimento íntimo, nos estudos e serviços que a nossa,
Consoladora Doutrina oferece, mas não olvide os tijolos e manilhas, telhas e
vasos que a sua indústria foi convidada a materializar. Institua facilidade e
abundância para que os menos favorecidos de recursos e de inteligência consigam
construir seus ninhos aos quais se abrigam pobres aves humanas, em peregrinação
aflitiva na erraticidade. Esforce-se para que seu nome seja louvado e abençoado
pelos que compram e vendem, pelos que administram e obedecem, convencido de
que, se não devemos esquecer a contemplação das estrelas, não encontraremos o
caminho de acesso a elas se não acendermos alguma lamparina no chão.
Chico Xavier
PS
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