Ingênuo, pensei que conhecia a
criançada, que não haveria outras surpresas que aguardassem um gentílimo amigo
de estripulias no aprendizado cristão.
Era um sábado, como outro
qualquer, a algazarra da meninada se despedindo, entre gritos, risos, e
peraltices. Agradecemos a Deus por aqueles momentos de convivência com os
pequeninos. No decorrer da semana
recebemos a triste notícia que uma de nossas crianças havia morrido. Mas, como?
Sábado ainda brincamos. Às vezes pensamos que estamos preparados para compreender
a morte, descobri nesse momento, que da morte sei tanto, quanto sei de
quântica. Pensei, onde se encontra meu hagiológio e não o encontrei, só
encontrei inconformismo.
Tomei a resolução de me inteirar
do ocorrido. Resoluto, endereço a mão, Lá fui eu. Meu coração como que em
arritmia fazia-me tremer: - O que dizer aos pais? – Que consolo diante do
inconsolável poderia levar? Chequei ao
beco, de muitas vielas sem nome. Encontrei um aluninho (graças a Deus): - o
senhor por aqui? – estou procurando a casa do Menino do beco. Ah! O menino que
morreu de meningite? Venha. E me levou por um labirinto de vielas até porta do
barraco pintado de verde claro, ironia a cor da esperança.
Agradeci, tomei fôlego, pois,
meus olhos desobedientes teimavam em chorar. Disse a mim mesmo: - Você veio
chorar com a mãe e os irmãos, ou trazer o lírio da paz ao coração dos que
sofrem? Na ruela estreita, onde se andava em fila indiana. Parei em frente à
porta, bati, o irmãozinho e a irmãzinha abriram a porta, entrei, minha visão
discerniu o ambiente, cômodo simples, paredes de madeira, uma mesa rústica,
quatro cadeiras, meio sem jeito perguntei:- cadê a mãe do Menino do beco? Ao
sinal das crianças divisei uma moça no cantinho, ajoelhada diante da imagem de Aparecida,
lentamente me ajoelhei ao seu lado e rezei junto.
As crianças na simplicidade me
disseram: - Ele foi levado de ambulância e morreu no hospital – Os médicos
deram injeção em todo mundo... A mãe com voz embargada me informou: - o enterro
será amanhã cedo no Cemitério São Pedro (gratuito, pertence a prefeitura), a
Secretaria da Saúde vai levar o corpo, fez uma pausa, e com os olhos perdidos
em lembranças continuou: - era um filho carinhoso, cuidava dos irmãos mais
novos, nos meus desentendimentos com seu padrasto, dizia: - Tenha paciência, e
me abraçava e beijava. Eu sempre dizia
filho você é a maior riqueza da mamãe, me olhava e sorria, nunca vou deixar você,
aprendi que nem com a morte a gente deixa quem ama, e saia correndo rindo - Se
existe neste mundo amor perfeito esse era nosso amor. Sempre tive medo de
perdê-lo por uma bala perdida no beco, mas, jamais pensei em perdê-lo por uma
bala perdida do céu...
Gentilmente fez um cafezinho que
saboreamos silenciosamente, levantou-se e olhando a imagem de Aparecida, com
voz de gratidão segurou minha mão: - Deus os abençoe pelo que carinho que
tiveram com a minha riqueza.
No dia seguinte esperando a chegada da urnazinha
mortuária, fui informado pela administração que o caixão viria lacrado devido à
doença de meningite meningocócica, sairia do carro funerário para o enterro.
Argumentei - e consegui o velório por trinta minutos na sala E, com os devidos
paramentos. Inesperadamente foram chegando muitas crianças, seus amiguinhos da
escola, dei a eles um botão de rosa vermelha, e eles como anjinhos,
delicadamente colocavam a rosa sobre o caixão. O caixão ficou coberto por um
manto púrpuro, lembrei do manto de Jesus. Fizemos a prece e fomos ao encontro
dos palmos de terra.
Cova aberta rasa, ao lado várias
cruzes de madeira espaçadas no chão com números romanos de identificação, não
poderia se saber a qual cova pertencia. Providenciamos a lápide e a manutenção
do túmulo de dois anos, após esse período seria removido para o ossário coletivo. Pensativos fomos nos afastando a caminho de nossa
casa.
Na semana seguinte fui visitar o
Menino do beco, as flores já haviam murchado, mas a lápide com a identificação
estava intacta. Removi as flores murchas, e plantei em volta da cova mudas de
amor-perfeito.
No mês seguinte novamente fui
à visita ao Menino do beco, e cismava comigo, sem água as mudas secaram... Caminhando
pela alameda até ao túmulo preocupado com as mudas.
Ao avistar a cova era
inacreditável o amor-perfeito, com as pétalas azuis abertas, enfeitavam a cova
do Menino do beco, e a cova matizada pelo azul das flores parecia um pedacinho
do céu- Por dois anos (finados) visitei o pedacinho
de céu...
Voltei ao beco para visitar seus
familiares, mas, disseram que haviam mudado, e não sabiam onde foram morar.
Mas, eu sabia, onde estava o Menino do beco, e onde ele foi morar...
Dan -18;07/2017
In Memoriam ao menino da Evangelização
In Memoriam ao menino da Evangelização
PS
Essa crônica faz nos refletir muito sobre absabedoria de uma simples família
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